Resumo biográfico
Rogério Sganzerla
Rogério Sganzerla nasceu a 04 de maio de 1946, em Joaçaba, interior do estado de Santa Catarina. Terceiro filho do casamento de Albino e Zenaide Sganzerla, Rogério contava ao todo com cinco irmãos. Era uma criança tímida e calada, e desde muito cedo, demonstrava vocação para a vida cultural. O ambiente provinciano da sua cidade contrastava com sua personalidade, marcada por interesses como leitura e escrita. Aos oito anos, mandou imprimir numa tipografia um pequeno livro de contos intitulado Contos Novos.
Já adolescente, estudando no internato jesuíta do Colégio Catarinense, em Florianópolis, foi orientado pelo Padre Décio Andriotti a participar das atividades culturais da instituição, a fim de compensar seu desinteresse pelas atividades físicas. Quando se mudou para a capital do estado, passou a frequentar cineclubes, entrando em contato com a obra de cineastas como Robert Bresson, de quem assistiu cinco vezes a Um condenado à morte escapou. Na época, ainda não conhecia projetada nas telas a obra daquele cineasta que marcaria tão profundamente a sua trajetória cinematográfica, Orson Welles. O cinema passou então a ocupar um lugar privilegiado no seu universo cultural. Nesse período, escreveu roteiros e realizou um pequeno filme caseiro que registrava flagrantes do cotidiano da sua cidade natal.
Em 1964, foi morar em São Paulo para cursar as faculdades de Direito e Administração, e não demorou a iniciar sua carreira profissional de crítico de cinema no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo. Lá teve como colegas os renomados Décio de Almeida Prado e Francisco Luis de Almeida Salles, que logo reconheceram a sua precocidade intelectual – Sganzerla já era um crítico maduro, apesar dos seus 17 anos. Era um pensador do cinema, analisando as questões relativas ao processo fílmico e as pesquisas de linguagem dessa forma de expressão moderna. Sobre essa época, Sganzerla, dizia que “fazia cinema com a máquina de escrever”.
Em 1966 começou a filmar aquele que seria seu primeiro trabalho profissional no cinema: Documentário, que, apesar do nome, é uma ficção em curta-metragem que já dizia a que vinha a sua obra posterior. Documentário é um exercício formal que narra uma andança meio sem rumo de dois jovens pelas ruas de São Paulo e no qual o cinema é sua razão de ser. Com este filme de estreia, conquistou o prêmio de melhor curta-metragem do primeiro Festival de Cinema Amador JB-Mesbla, o que lhe deu o direito de fazer um curso de cinema na França. Agora como jornalista do Jornal da Tarde, aproveitou para cobrir o Festival de Cannes de 1967 e viajar a outros países da Europa, aprofundando seu conhecimento sobre as cinematografias locais.
No retorno de navio ao Brasil, após essa curta temporada europeia, Rogério Sganzerla leu nos jornais brasileiros a bordo notícias sobre João Acácio Pereira da Costa, o “Bandido da Luz Vermelha”, que estava aterrorizando a cidade de São Paulo. Logo se deu conta de que, coincidentemente, aquele personagem real da crônica policial era muito semelhante ao do roteiro sobre um bandido mascarado, que vinha escrevendo há um tempo.
Iniciou as filmagens de O Bandido da Luz Vermelha no segundo semestre de 1967, contando com uma equipe formada, dentre outros, pelos fotógrafos Peter Overbeck e Carlos Ebert, e pelo ator Paulo Villaça, em seu début no cinema, no papel do marginal. O elenco tinha ainda o ator Pagano Sobrinho, interpretando um político populista e corrupto, e Helena Ignez, tida, então, como a “Musa do Cinema Novo”, no papel de uma prostituta golpista. Rogério e Helena deram início, nos bastidores das filmagens, a uma relação afetiva e artística que duraria até o fim da vida do cineasta. No processo de montagem, Sganzerla se associou a Sylvio Renoldi, que muito contribuiu na construção da narrativa descontínua e fragmentada que o roteiro pedia, razão da originalidade da fita, que teve grande êxito de crítica e bilheteria.
O Bandido da Luz Vermelha tornou-se, desde então, um dos filmes brasileiros mais expressivos de todos os tempos e o emblema máximo do dito “Cinema Marginal”, denominação sempre renegada pelo próprio diretor. Antes do seu lançamento, Rogério Sganzerla havia redigido um manifesto em que enumerava as premissas do tipo de cinema que pretendia realizar no Brasil. Oswald de Andrade comparecia nas linhas gerais do texto, sinalizando que a apropriação de Godard, Welles, rock, história em quadrinhos, filme B policial norte-americano, dentre outras referências do Bandido, atestavam sua vinculação à perspectiva antropofágica, também defendida pelo movimento tropicalista, contemporâneo daquele movimento cinematográfico.
Após o sucesso do longa de estreia, Rogério Sganzerla passou a se dedicar, em 1969, a um novo projeto que lhe renderia sua maior bilheteria: A mulher de todos, protagonizado por Helena Ignez, numa atuação referencial na história do cinema brasileiro. Com seu propósito de resgatar a tradição da chanchada – escola nacional menosprezada pelo Cinema Novo, movimento contra o qual passaria a se opor esteticamente – Sganzerla convidou Jô Soares para fazer o papel do marido traído pela protagonista Ângela Carne e Osso, um empresário bem sucedido do ramo editorial das histórias em quadrinhos e ex-carrasco nazista. Ainda no tema dos quadrinhos, realizou na mesma época dois documentários de curta-metragem em codireção de Álvaro de Moya: HQ e Quadrinhos no Brasil. Ao apresentar A mulher de todos no Festival de Cinema de Brasília daquele ano, aproximou-se de Júlio Bressane, que estava apresentando O anjo nasceu.
Esse encontro seria crucial. No início de 1970, instalado no Rio de Janeiro, e em esquema de parceria com Bressane e Helena Ignez, Rogério Sganzerla fundou a produtora Belair, que produziu, no total, seis filmes em três meses. Os filmes que Rogério dirigiu são Copacabana Mon Amour (com trilha original de Gilberto Gil), Sem essa, Aranha (com Jorge Loredo [Zé Bonitinho], Helena Ignez, Maria Gladys e Luiz Gonzaga no elenco) e Carnaval na lama (ou Betty Bomba, a exibicionista), rodado, em parte, em Nova York. Esses filmes aprofundaram ainda mais o caráter experimental que já era um traço característico do seu cinema: novas possibilidades foram exploradas na relação diretor/ator, os exercícios de linguagem se radicalizaram – como provam os longos planos-sequências de Sem essa, Aranha.
Antes de começar o processo de montagem dos filmes, o núcleo da Belair foi alertado secretamente de que seria preso caso continuasse no Brasil, que, então, vivia à sombra do AI-5. Na condição de exilado, Sganzerla partiu com Helena e Bressane para Londres. Lá se estabeleceram na comunidade local de artistas brasileiros expatriados que contava com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Antonio Bivar, Jards Macalé e outros. Nessa temporada britânica, Rogério filmou o show de Jimi Hendrix no Festival da Ilha de Wight. Em 1971, ele e Helena viajaram para o Marrocos, Argélia, Tunísia, Níger, Nigéria, Daomé (atual Benin) e Senegal, onde permaneceram por algum tempo em esquema nômade. Sganzerla aproveitou para filmar o documentário Fora do baralho, que tem como cenário o deserto do Saara.
De volta ao Brasil, mais precisamente em Salvador, Bahia, após dois anos de exílio, Helena Ignez deu à luz sua primeira filha com Rogério Sganzerla, Sinai, em outubro de 1972. Um período de relativa inatividade já havia se iniciado pouco antes do seu retorno ao país por força da política cinematográfica que se praticava na época. O diretor já havia assumido uma postura de enfrentamento, desde 1969, com relação aos órgãos oficiais que regulavam o cinema e seus respectivos representantes, a quem apontava responsabilizava por projetos de sabotagem contra os seus filmes. Esse litígio foi uma constante na sua carreira.
De volta ao Rio, Sganzerla só retornou ao cinema em 1976, primeiro com o curta-metragem Viagem e descrição do Rio Guanabara por ocasião da França Antártica, sobre a passagem do aventureiro Nicolas Durand de Villegaignon pelo Rio de Janeiro no século XVI, e, em seguida, com Abismu, longa-metragem que traz novamente Jorge Loredo como Zé Bonitinho no elenco, e, também, José Mojica Marins e Wilson Grey atuando ao som da trilha de Jimi Hendrix.
Em fevereiro de 1977 nasceu a segunda filha do casal: Djin. Realizou também nessa época os curtas documentais Mudança de Hendrix e Ritos populares – Umbanda no Brasil. Em 1978 participou como codiretor e montador do documentário de média-metragem em Super-8, Horror Palace Hotel, de Jairo Ferreira, em que também atuava como repórter, entrevistando seus colegas Almeida Salles e José Mojica Marins.
Nesse período, Rogério Sganzerla alternou temporadas entre Rio e Salvador. Após a realização de alguns curtas, como, por exemplo, Noel por Noel, seu primeiro filme sobre o compositor Noel Rosa, Sganzerla voltou ao longa-metragem com Nem tudo é verdade, de 1985, que iniciava sua tetralogia sobre a vinda de Orson Welles ao Brasil, em 1942. O músico Arrigo Barnabé encarnou um Welles aos 25 anos, então no auge do prestígio internacional como o gênio criador de Cidadão Kane, que aportava no Rio de Janeiro com o propósito de filmar o carnaval. Misto de documentário e ficção, Nem tudo é verdade ganhou inúmeros prêmios.
A partir de 1986, Rogério Sganzerla se fixou definitivamente no Rio de Janeiro. Em 1990 dirigiu o curta Isto é Noel Rosa e realizou dois vídeos sobre artistas plásticos: A alma do povo vista pelo artista, sobre Newton Cavalcanti, e Anônimo e incomum, sobre Antonio Manuel. No ano seguinte, lançou a segunda parte da série wellesiana com o curta Linguagem de Orson Welles. Em 1993 dirigiu o episódio Perigo Negro, que integra o longa-metragem Oswaldianas, baseado em Oswald de Andrade. Em 1998 lançou o longa-metragem documental a partir de colagens de imagens e áudio intitulado Tudo é Brasil, terceira parte da tetralogia sobre Orson Welles.
Em 2001 foi publicada a seleção de artigos críticos Por um cinema sem limites, que é a reafirmação do seu ideário cinematográfico. Após muitas dificuldades, concluiu, em 2003, O signo do caos, o último filme da série sobre a visita do diretor de A marca da maldade ao Brasil, e que é, também, seu último filme. Traz no elenco sua filha Djin Sganzerla, no seu primeiro papel no cinema. É lançado no Festival de Brasília, onde obtém os prêmios de Melhor Montagem e Direção. Conquistou ainda o Prêmio Especial do Festival do Rio. Rogério compareceu à sessão do filme no Cine Odeon, mesmo debilitado pelos efeitos de um câncer devastador.
Rogério Sganzerla faleceu a 09 de janeiro de 2004. Deixou uma vasta obra por filmar, composta de roteiros e projetos de filmes, e também uma extensa produção crítica: artigos e ensaios publicados e não publicados. Um dos roteiros é o do longa-metragem Luz nas trevas – Revolta de Luz Vermelha, continuação da saga do Bandido da Luz Vermelha. A partir de uma versão reduzida desse roteiro, cinco anos após a morte de seu autor, iniciaram-se as filmagens com Ney Matogrosso no papel que fora de Paulo Villaça, agora sob a direção de Helena Ignez.
Após sua morte, Rogério Sganzerla vem recebendo várias homenagens e retrospectivas em diversos Festivais de Cinema no mundo. Sua obra segue iluminada.